segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Fazendo Jus - Araquém Alcântara

Aos 14 anos, eu queria ser jornalista, quem sabe escritor. Atravessei a adolescência embrenhado nos grandes sertões, veredas, de Lima Barreto, Machado de Assis, J.D.Salinger, Joseph Konrad e do próprio Guimarães Rosa. Em 1970, ingressei na Faculdade de Comunicação de Santos. Logo trabalhava na sucursal do Estadão e Jornal da Tarde. Tudo certo. Uma noite fui ver uma sessão maldita que um francês, Maurice Legeard, organizava em Santos. O filme era A Ilha Nua, de Kaneto Shindo. Um filme quase sem história, ou palavras. Um casal vivendo com dois filhos numa ilha inóspita. E a faina diária de levantar, buscar água, preparar a terra, a comida, buscar água outra vez, a canoa no trapiche, os pássaros nas pedras, os remos contra as ondas. A força e a beleza da pura imagem. A foto como síntese do dizer. Eu, transido no escuro, fui tendo um negócio. Sai dali tonto, abalroado, chamado.

No outro dia uma amiga, Marinilda, mostrou-me umas fotos bem comuns, de álbum de família, feitas por uma Yashica muito caseira. Ainda doente, febril do filme, mal olhei as fotos. Pedi a Yashica emprestada, comprei três filmes preto-e-branco e à noite fui para um cabaré do porto onde costumava ouvir bandas de rock e , com sorte, a canja de algum famoso de passagem. Câmera na mão, dois filmes no bolso, nenhuma técnica na cabeça, nervoso como em toda primeira vez. Mesmo sem coragem para nada, obscuramente sabia que naquela Yashica, naqueles filmes, estava segurando uma vida. Sai tarde, sem apertar o botão.

No ponto do ônibus, já amanhecia quando uma das moças do cabaré passou e desafiou:
-Quer fotografar, é? Quer fotografar? Pois então fotografa aqui! – Levantou a saia e mostrou o sexo.

"Foi minha primeira foto. "

Assim é que, com o relançamento de TERRABRASIL (em junho de 2001), completo 30 anos de pura fotografia. Eu só queria ser jornalista, quem sabe escritor, homem de palavras. Mas numa noite, à meia-noite, fui salvo, ou condenado, por um filme japonês, numa sessão maldita. Entram também na história uma puta no cais, um urubu na calçada, uma mãe-de-fogo nas serras…

* "Texto extraído do depoimento de Carlos Moraes sobre o fotógrafo Araquém Alcântara, presente no site oficial do fotógrafo." - [ http://www.araquem.com.br
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